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quinta-feira, fevereiro 25, 2016

Decisão do STF sobre prisão em 2ª instância é contestada

Para juristas, decisão do STF sobre execução da pena desrespeita cláusula pétrea

Corte Interamericana de Direitos Humanos pode ser acionada por aqueles que discordam do entendimento do Supremo Tribunal Federal

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do HC 126292, que fixou o entendimento de que, após a condenação em segunda instância, a execução da pena deve ter início respondeu a um clamor popular para a que punição de criminosos ocorra de maneira mais rápida. O resultado foi comemorado por representantes da magistratura e do Ministério Público. Mas há juristas que questionam a constitucionalidade da decisão e consideram que os caminhos para dar celeridade à execução penal deveriam ser outros.

Um dos questionamentos sobre a decisão é o fato de o Supremo decidir sobre algo que deveria ser deliberado pelo Congresso Nacional, praticando assim o ativismo judiciário. Outra questão é que uma cláusula pétrea da Constituição estaria sendo desrespeitada. Além disso, o Brasil estaria contrariando até mesmo Convenção Interamericana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.

Para o procurador de Justiça do Ministério Público do Paraná Rodrigo Chemim Guimarães, o STF “acertou na tentativa de resolver um problema de impunidade, mas errou na forma”. Isso porque a decisão não seguiu a literalidade do texto constitucional e, segundo ele, tecnicamente está errada. “No entanto, o STF procurou resolver um problema sério do sistema penal brasileiro relacionado à infindável possibilidade recursal somada à frouxa mecânica prescricional, que acaba premiando a impunidade, principalmente dos delitos do colarinho branco, que costumam ter penas mínimas muito brandas”, diz Guimarães.

O penalista René Dotti classifica a medida como populista. “Trata-se de uma decisão que será aplaudida pela sociedade, porque essa mesma sociedade não está sendo informada devidamente da situação dos recursos de nosso país”.

Alternativas
O caminho apontado por alguns dos juristas entrevistados seria a intervenção na legislação referente a recursos e não no texto constitucional.

Thiago Bottino, professor da FGV-Direito Rio, explica que há uma série de recursos que podem ser apresentados aos tribunais superiores e que, enquanto esses recursos não forem julgados, a decisão não pode ser considerada como decisão final. Uma alternativa seria alterar os tipos de recursos existentes e sua tramitação com, por exemplo, a reforma do Código de Processo Penal. Mas isso deveria ser feito via Congresso Nacional.

Guimarães aponta que também poderiam ser alternativas o fim da prescrição enquanto tramitam os recursos da defesa, e o redimensionamento da função do STF para um modelo semelhante ao da Suprema Corte dos Estados Unidos. “Ao invés de julgar 93 mil recursos, como ocorreu, por exemplo, em 2015, o Supremo deveria operar como uma efetiva Corte Constitucional”, avalia o procurador.

Cláusula pétrea
O inciso LVII do artigo 5º da Constituição federal determina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Bottino explica que, por essa ser uma garantia individual, nem mesmo o Congresso Nacional poderia fazer uma alteração neste direito constitucional. Somente uma constituinte poderia mudar essa norma.

Segundo o professor da FGV-Rio é comum o STF fugir da literalidade do texto constitucional para ampliar direitos, mas nesse caso, ocorreu o contrário: a restrição de direitos.

O professor de direito penal do Unicuritiba Christian Laufer observa que há uma “posição muito clara do Constituinte sobre a questão e qualquer opinião diversa é inconstitucional”.

Renato Andrade, conselheiro federal da OAB pela seccional do Paraná, lembra ainda dos direitos constitucionais ao devido processo legal e à presunção da inocência. “Se a pessoa pode recorrer inclusive para os tribunais superiores, evidentemente que isso se aplica com o princípio da presunção de inocência”, diz o advogado.

Dotti lembra ainda que um recurso só vai para os tribunais superiores quando o próprio tribunal de segunda instância, onde a decisão foi tomada, aprova que recurso seja enviado aos à próxima instância. “Como se executa a prisão quando o próprio tribunal [onde ela foi decidida] admite o processamento de recursos?”, pergunta o advogado.

Consequências
Laufer ressalta que, ainda que a maioria das decisões não seja revertida pelos tribunais superiores, “a simples possibilidade de uma decisão ser revista já não é compatível com a democracia”. “A democracia convive muito mal com um inocente preso”, completa o professor do Unicuritiba.

Andrade questiona que providências serão tomadas quando forem verificadas prisões indevidas: “O cidadão vai ser ressarcido pelo tempo que passou na cadeia indevidamente?”.

Corte Interamericana
Como o STF é a mais alta instância do Judiciário no Brasil, em tese não haveria mais recurso sobre essa decisão. Mas juristas já indicam a possibilidade de a Corte Interamericana de Direitos Humanos ser acionada.

A mesma convenção prevê ressarcimento àqueles que pagarem por um crime que não cometeram: “Toda pessoa tem direito de ser indenizada conforme a lei, no caso de haver sido condenada em sentença passada em julgado, por erro judiciário”, diz o artigo 10º do documento.

Avanço
Em nota, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) classifica a decisão do STF de “extrema relevância para a sociedade” e um marco para o processo penal no Brasil. “Recursos por vezes protelatórios não terão mais o condão de fomentar a impunidade criminal”, afirma o presidente da instituição, Antônio César Bochenek.

A nota diz ainda que a decisão valoriza as decisões de juízes de 1º e 2º grau. “Em última análise, será fortalecida a Justiça Brasileira, em benefício de todos os cidadãos”, afirma o presidente da Ajufe.

Direito comparado
A Constituição brasileira segue o modelo das Constituições italiana e portuguesa. O procurador de Justiça do MP-PR Rodrigo Chemim Guimarães explica que essas normas preveem que as pessoas são inocentes até o trânsito em julgado.

“Essa forma de redação difere da tradição esposada pelos demais países do mundo e pelos diplomas internacionais que não falam em ‘trânsito em julgado’ como limite temporal para considerar alguém culpado”, explica Guimarães, que também é doutor em Direito do Estado pela UFPR.

Segundo ele, na maioria dos países do mundo, a inocência deixa de ser considerada quando a decisão condenatória de um juiz é confirmada por um órgão colegiado, como Tribunal de Justiça, por exemplo.

“Como nós usamos no texto constitucional a expressão ‘trânsito em julgado’, remetemos à ideia de que, enquanto estiver pendente um recurso, inclusive extraordinário, perante o STF, o acusado mantém o status jurídico de inocente”.

O desafio para o sistema jurídico brasileiro é que os processos com bons advogados à frente, levam, em média, quinze anos tramitando sem uma resposta definitiva. Além disso, observa Guimarães, não é rara a prescrição retroativa, decorrência do recálculo do tempo decorrido pela pena em concreto.

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